O Ministro da Saúde disse que
gostaria de criar planos de saúde privados mais baratos para
desonerar o SUS. A declaração precisa ser analisada com enorme
cuidado. Em primeiro lugar porque vai na contramão da Constituição
Federal, que determina que saúde é direito de todos e dever do
Estado e coloca o sistema de saúde privado como suplementar do
sistema público. Em segundo lugar, fere mantras sagrados de vários
interessados no assunto, que dizem que a saúde deve ser pública e
que os planos de saúde privados são a reencarnação do demônio. Como
se não bastasse, a única forma de viabilizar a ideia passa pela
redução dos procedimentos atualmente cobertos, o que, com certeza,
encontraria forte resistência no Judiciário.
De qualquer forma, para viabilizar
o tema, é fundamental a revisão da Lei dos Planos de Saúde
Privados. A Lei engessa as operadoras, obrigando-as a oferecerem
produtos que podem não ser interessantes para um grande número de
segurados e que, evidentemente, encarecem os planos, sem melhorar a
rentabilidade das operadoras.
Se a ideia do Ministro da Saúde
evoluir até o ponto de permitir rever a Lei, já terá sido uma boa
coisa para o país. Mesmo que a Lei continue ruim, dificilmente
conseguirão piorá-la. E apenas a derrubada dos atuais procedimentos
mínimos obrigatórios será uma vitória para a população, que terá um
sistema mais transparente, sólido e capaz de atender melhor suas
necessidades de saúde.
Hoje, por exemplo, uma freira
carmelita descalça de 80 anos de idade, há 60 anos afastada do
mundo, trancada no convento, que contrate um plano de saúde privado
terá cobertura para parto e AIDS. É um absurdo, mas é a lei. Nossa
freira terá que pagar por procedimentos que jamais fará uso e não
adianta ela dizer que não quer.
Por outro lado, na medida em que o
Governo, em função de toda sorte de desmandos e corrupção, tem cada
vez menos dinheiro para colocar na saúde da população, as
operadoras de planos de saúde privados estão tendo que arcar com
despesas excluídas de seus planos, ou porque o Governo faz
demagogia ou porque os tribunais mandam pagar. Isto, somado à crise
sem precedentes que atinge o Brasil, está complicando o quadro, com
dezenas de operadoras às portas da quebra porque a soma da
antecipação dos atendimentos por medo do desemprego com o
desemprego real aumenta seus custos e reduz suas receitas.
Mexer na Lei dos Planos de Saúde
Privados seria quase que um ato de patriotismo. Ela é uma das
piores leis votadas em todos os tempos. Todos que militam na área
sabem as razões porque, em 1998, foi tirada da gaveta onde dormia
em berço esplendido e votada a toque de caixa, do jeito que estava,
para ser modificada por dezenas de Medidas Provisórias, a primeira
delas baixada 24 horas depois da Lei entrar em vigor.
Não há razão para não se aumentar a
participação do setor privado na administração e oferta de saúde
para a população. É verdade que a simples ideia de se fazer isso
atinge a alma de grupos ideológicos ou com outros interesses
violentamente contra a medida. Mas, se é para caminharmos para
isso, é melhor definir o que cada um faz e em que condições do que
permanecer no estado atual, onde os planos de saúde privados vão
assumindo responsabilidades que não são suas, em nome da
sobrevivência do brasileiro no curto prazo, sem que as autoridades
se preocupem com os milhões de segurados que, em função do que vai
sendo feito, podem ficar sem atendimento no futuro, porque seus
planos quebraram.
É ver a quantidade de migrações
especiais que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) tem
autorizado para não se ter dúvida da seriedade do momento.
A criação de planos mais baratos,
com a flexibilização das coberturas, feita a sério e não nas coxas,
pode ser a solução que os brasileiros merecem, que as operadoras
pedem e que o Governo precisa para evitar a piora ainda mais
acentuada do atendimento à saúde da população.
Se Deus quiser, o Ministro da Saúde deu o ponta pé inicial de uma
partida mais justa, eficiente e útil para todos os brasileiros.