O Brasil deve registrar este ano
cerca de 600 mil novos casos de câncer, segundo dados do Instituto
Nacional do Câncer (Inca) e do Ministério da Saúde, divulgados este
mês. E no ranking dos tipos da doença que mais acometerão os
brasileiros, o câncer de próstata será o segundo mais comum entre
os homens, atrás apenas do câncer de pele não melanoma. O Inca
estima que o país registrará 68.220 casos novos de câncer de
próstata no ano.
É diante desse cenário que um novo medicamento, a
apalutamida, promete ser mais um aliado no combate à doença,
garantindo aumento da expectativa e da qualidade de vida dos
pacientes. A novidade, desenvolvida pela Janssen, empresa
farmacêutica do grupo Johnson & Johnson, foi apresentada durante o
American Society of Clinical Oncology Genitourinary Cancers
Symposium, realizado no início de fevereiro, em São Francisco, nos
Estados Unidos, e publicada no New England Journal of Medicine. A
proposta da apalutamida é ser opção para aqueles pacientes que
tiveram o câncer de próstata localizado, receberam o
tratamento-padrão, que inclui cirurgia ou radioterapia, aliada a
hormonioterapia, também conhecida como terapia de privação
androgênica ou castração, e responsável por inibir a produção de
testosterona, que é o alimento do câncer de próstata. Esses
pacientes, depois de algum tempo, se tornam resistentes ao processo
da castração e voltam a apresentar aumento dos níveis de antígeno
prostático específico, o PSA. A alteração na dosagem do PSA no
sangue é o que denuncia uma possível volta do câncer, já em um
estado de metástase.
“De todos os pacientes que
têm câncer de próstata e são tratados com cirurgia ou radioterapia,
30% não são curados. Até o cenário atual, a gente só começava a
fazer algum tipo de tratamento depois que aparecia a metástase.
Essa nova droga, a apalutamida, permite que a gente comece a tratar
um quadro que sugere o desenvolvimento da metástase mais cedo,
antes mesmo de um novo tumor aparecer. Isso garante um ganho de
sobrevida sem metástase e com qualidade de vida considerável, além
de ir ao encontro do caminho que vejo ser a tendência atual, que é
a prática de medicina personalizada. É uma droga que promete
muito”, explica Lucas Nogueira, médico urologista especialista em
oncologia, membro do grupo de urologia oncológica da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador de câncer de bexiga da
Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Ganho de sobrevida e melhoria da qualidade de vida são as
principais vantagens defendidas pelo grupo de estudo que apresentou
o novo medicamento. Comparada ao placebo, a apalutamida comprovou
diminuir em 72% o risco do surgimento da metástase ou de morte e
proporcionou um ganho na mediana de sobrevida livre de metástase de
mais de dois anos. Para o uro-oncologista e professor da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto, em São Paulo, Rodolfo Borges dos
Reis, a nova droga sinaliza nova forma de lidar com o câncer. “A
tendência que acho do câncer é uma lição aprendida com a Aids. A
Aids nos ensinou que você não precisa matar uma doença. Você pode
conviver com essa doença. Os tratamentos que estão surgindo hoje
estão nesta vertente”, opina.
Outro dado promissor do estudo foi que a apalutamida reduziu
em 51% o risco da segunda progressão da doença (PFS2 - tempo de
progressão da doença ou morte após o segundo tratamento), o que
sinaliza que a droga também pode ter impacto em uma melhor resposta
dos pacientes a tratamentos subsequentes. “Esses resultados são os
primeiros a convencer que as metástases podem ser adiadas nesse
estágio da doença e sugerem que a apalutamida pode se tornar o
padrão de tratamento desses pacientes”, afirmou Eric Small,
investigador-líder do estudo e chefe da divisão de Hematologia e
Oncologia da Universidade da Califórnia. O estudo clínico,
denominado Spartan, englobou 1.201 pacientes com câncer de próstata
não metastático resistente à castração e foi conduzido em 332
centros, em 26 países, na América do Norte, Europa, Ásia e
Austrália.
A pesquisa levantou também os efeitos colaterais do
medicamento. Entre eles, foram listadas a possibilidade de lesão de
pele e quedas e fratura óssea nos pacientes que fizeram o uso da
nova droga. Para o oncologista do Centro Paulista de Oncologia e do
Hospital Albert Einstein Andrey Soares, os benefícios do novo
medicamento superam seus riscos. “Os dados apresentados de
diminuição do risco de metástase e ganho na mediana de sobrevida
livre de metástase de mais de dois anos são muito consideráveis. O
que o estudo apresentou como risco, diante do benefício, acaba não
interferindo porque, ao final, o que se percebe é que a droga não
piora a qualidade de vida do paciente”, opina.
Os dados do estudo clínico Spartan foram aprovados pela
agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos, a Food and
Drug Administration (FDA), em 14 de fevereiro. No Brasil, ainda não
há prazo para a aprovação da droga.
ENVELHECIMENTO
O crescimento do número de casos de câncer de próstata no
Brasil está relacionado, sobretudo, ao envelhecimento da população
masculina, aumentando significativamente depois dos 50 anos.
Segundo dados do Inca, cerca de 75% dos casos ocorrem a partir dos
65 anos. Além da maior longevidade da população, outros fatores são
apontados pelo uro-oncologista Rodolfo Borges dos Reis. “Além de as
pessoas estarem vivendo mais, os métodos de diagnóstico de hoje são
bem superiores aos de antigamente. Isso reflete nos números atuais
da doença no Brasil.”
Diante dessa realidade, o Ministério da Saúde recomenda que
todos os homens com mais de 50 anos realizem anualmente o exame de
toque retal e a dosagem do antígeno prostático específico
(conhecido como PSA) no sangue. Essa é uma forma de rastrear a
doença no país. “O PSA começou a ser usado como forma de
rastreamento no Brasil há cerca de 20 anos. A dosagem dele serve em
três cenários: para fazer o diagnóstico, o estadiamento (se ele
está muito elevado denuncia uma provável metástase) e acompanhar a
evolução da doença”, explica Reis.
No entanto, segundo o urologista, cada vez mais essas
recomendações para diagnóstico da doença serão menos gerais e mais
personalizadas para grupo. Portanto, o histórico familiar é uma
especificidade que deve ser levada em conta. Se houver outros casos
da doença na família, toda essa rotina deve ser iniciada aos 45
anos. E para complementar o diagnóstico, o médico pode pedir exames
complementares, como de imagem e biópsia.
A doença pode acometer o homem de forma localizada ou em
estágio avançado e, segundo o oncologista do Instituto de Oncologia
do Paraná Evanius Garcia Wierman, o rastreamento feito por meio da
dosagem do PSA tem papel importante para isso. “O que a gente quer
diagnosticar é um câncer de próstata localizado. E o papel do
rastreamento é fazer esse diagnóstico precoce da doença”,
explica.
EFEITOS
Quando a doença é diagnosticada precocemente e de forma
localizada, o recomendado é a realização de cirurgia para retirada
da próstata ou radioterapia, junto com a hormonioterapia, também
conhecida como terapia de privação androgênica ou castração, e
responsável por inibir a produção de testosterona. Ela pode ser
feita por meio da retirada dos testículos ou inibindo a produção de
testosterona por meio de medicamentos.
Como efeito colateral, a cirurgia pode causar incontinência
urinária ou impotência sexual. Já a hormonioterapia, ao privar o
organismo de testosterona, provoca andropausa no homem, que pode
sofrer com perda de concentração e diminuição da libido, entre
outros sintomas. “A próstata influencia muito para o homem, não só
pelo tabu de mexer na sua masculinidade como também por impactar a
qualidade de vida”, afirma Andrey Soares, oncologista do Centro
Paulista de Oncologia e do Hospital Albert Einstein. Diante dessa
realidade, Soares acredita que o ponto mais importante hoje é não
ter o câncer. “Para mim, o mais importante que deve ser estudado
atualmente são as ações de prevenção e promoção da saúde, mais do
que rastreamento ou ações de cura”, finaliza.
Nesse contexto, o urologista Rodolfo Borges dos Reis deixa o
seu recado: “Tudo o que você fizer de bem para o seu coração vale
para a sua próstata. Então, ao comer bem, se exercitar e manter uma
vida saudável, você ajuda seu coração e, consequentemente, a sua
próstata”.
• Pacientes recorrentes também ganham novo
tratamento
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou,
na primeira semana de fevereiro, nova indicação do medicamento
acetato de abiraterona. A partir de então, a droga, associada a
outro medicamento, a prednisona, pode ser usada para o tratamento
de pacientes recém-diagnosticados com câncer de próstata que se
espalhou para outras partes do corpo, sem tratamento hormonal
prévio e com fatores de prognóstico de alto risco, avaliado pela
classificação patológica do tumor, número e localização das
metástases.
A decisão da Anvisa foi baseada nos resultados do estudo
Latitude, que comprovou redução significativa no risco de morte
(38%), diminuição no risco de progressão da doença ou morte (53%) e
prolongou o tempo até o início da terapia subsequente com
quimioterapia (56%). Além de melhora de aspectos relacionados à
qualidade de vida do paciente, como redução de 30% no risco de
piora da dor, do surgimento de fraturas ou de outras comorbidades
relacionadas ao esqueleto.
O acetato de abiraterona está disponível no Brasil desde 2012
e, em 2015, foi incluído na lista de cobertura obrigatória pelos
planos de saúde para pacientes com câncer de próstata metastático
que já realizaram tratamento anterior. Com a nova aprovação, o
medicamento já pode ser utilizado como primeira opção de tratamento
para pacientes com câncer de próstata metastático, em diferentes
fases da doença.
*A jornalista viajou a convite da Janssen, empresa
farmacêutica do grupo Johnson &
Johnson
Atente-se aos sinais
A PRÓSTATA E O CÂNCER
A próstata é uma glândula do sistema reprodutor masculino que
fica abaixo da bexiga e na frente do reto, e tem como principal
função produzir um fluido que faz parte do sêmen. O câncer de
próstata ocorre quando células dessa glândula começam a crescer
incontrolavelmente.
SINTOMAS
Na fase inicial, o câncer de próstata não apresenta sintomas.
Com o avanço, pode causar sintomas como a diminuição do jato de
urina e incontinência urinária. Quando há metástase a distância,
pode haver sintomas ósseos, como dor e fratura.
DIAGNÓSTICO
Todos os homens com mais de 50 anos precisam realizar
anualmente o exame de toque retal e a dosagem do antígeno
prostático específico (conhecido como PSA) no sangue. Se houver
histórico na família, a rotina deve ser iniciada aos 45 anos. O
médico pode pedir exames complementares, como de imagem e
biópsia.
Tratamento apresentado
O QUE É A APALUTAMIDA?
A apalutamida é um inibidor oral de receptor de androgênio
(hormônio sexual masculino) que bloqueia a via de sinalização de
andrógenos em células de câncer de próstata.
QUAL A INDICAÇÃO?
A apalutamida é indicada para o tratamento do câncer de
próstata para pacientes que não respondem mais à terapia hormonal
de privação androgênica e que têm alto risco de
metástase.
COMO A DROGA AGE?
A apalutamida inibe o crescimento de células cancerosas de
três formas: prevenindo a ligação de andrógenos ao receptor de
androgênio; bloqueando a entrada dos receptores de androgênios nas
células cancerígenas; e impedindo os receptores androgênicos de se
ligar ao DNA da célula maligna.