A Folha de S.Paulo relata que um estudo da Prevent Senior que ainda não foi publicado em revista científicas afirma que o uso combinado de hidroxicloroquina e azitromicina reduz as internações em pacientes com suspeita de Covid-19, mas o próprio autor disse à Folha que a forma como a pesquisa foi feita impede que sejam tiradas conclusões sobre o uso das drogas contra o novo coronavírus.
Cientistas ouvidos pela reportagem afirmam o mesmo. A maior parte dos pesquisadores procurados, porém, preferiu que seus nomes não fossem divulgados depois de saber que pesquisadores de Manaus que conduziram um estudo sobre o uso da cloroquina em pacientes de Covid-19 começaram a receber ameaças de morte de simpatizantes de Jair Bolsonaro. O presidente tem defendido o medicamento como solução para a pandemia de coronavírus.
Um dos problemas do desenho metodológico do novo estudo da Prevent Senior é que os pesquisadores não sabem se todos os 636 pacientes do estudo realmente tinham Covid-19.
O estudo também apresenta problemas no registro internacional para estudos clínicos, onde constam divergências em relação ao número de pessoas que fazem parte da pesquisa e suas datas de início e de fim. Segundo o registro, o estudo só começará em 20 de abril, na próxima segunda-feira, com um número inferior de pacientes em relação ao que consta no estudo que a Prevent Senior enviou à Folha e que já teria começado. A empresa diz que o erro será corrigido.
De acordo com o cardiologista Rodrigo Esper, responsável pelo estudo, trata-se de uma pesquisa pragmática e empírica “geradora de hipóteses” sobre o uso da hidroxicloroquina em estágios mais brandos da doença e o possível impacto disso em internações.
“De uma maneira muito responsável, não consideramos que seja um estudo definitivo”, diz Esper. “Cabe numa situação dramática de uma pandemia. Apesar de não ser um estudo definitivo, perfeito metodologicamente, traz uma luz ao tema. Numa situação de normalidade, não faria sentido isso.”
Esper repete algumas vezes que a pesquisa que desenvolveu não traz respostas, mas um “talvez” na possibilidade de prescrição da droga para pacientes de alto risco, como idosos com doenças associadas. “O que eu não quero que aconteça é uma histeria coletiva atrás de cloroquina.”
Já Pedro Batista, diretor-executivo da Prevent Senior, é mais taxativo quanto à pesquisa. “Ele traz uma resposta terapêutica segura para pacientes que são frágeis, com comorbidades prévias, com sintomas iniciais da Covid-19”, disse à Folha.
Na quinta (16), durante o UOL Debate, Batista fez afirmações semelhantes. “Nós estamos vendo que grande parte desses pacientes vêm melhorando cada vez mais, estamos avaliando um critério técnico no uso indicado pelo Ministério da Saúde da hidroxicloroquina associada a azitromicina”, disse Batista.
No novo estudo, nem todos os pacientes fizeram testes para coronavírus, o que, de partida, dificulta uma análise sobre a eficácia do remédio, de acordo com pesquisadores ouvidos pela reportagem. Os casos possíveis de Covid-19 eram definidos pelos sintomas sugestivos.
Parte dos pacientes fez tomografias para identificar a presença de lesões nos pulmões, o chamado “vidro fosco”. Esse tipo de comprometimento de fato ocorre em pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2, mas a detecção da lesão não serve de diagnóstico da doença, já que outras condições também podem apresentar padrão semelhante em tomografias.
A infecção pelo novo coronavírus é, por padrão, confirmada a partir de testes RT-PCR, mais confiáveis do que os testes rápidos.
Além disso, somente 42 dos 636 pacientes parte do estudo tinham febre, um dos sintomas mais comuns da Covid-19. Segundo Esper, porém, o banco de dados da Prevent indica que a febre pode não ser um sintoma tão comum nos pacientes com a doença.
Há também problemas metodológicos na escolha dos grupos. Todos os pacientes foram convidados a receber o medicamento, e o que se recusaram formaram um grupo à parte para comparação. Em estudos padrão ouro, os voluntários são divididos aleatoriamente em grupos diferentes e não sabem se estão recebendo o tratamento verdadeiro ou placebo, para evitar qualquer viés.
“O estudo não é duplo-cego [quando nem os pacientes nem os pesquisadores sabem se os pacientes estão tomando a droga ou placebo], todo mundo sabe tudo que está acontecendo. Os médicos também sabem, e isso dá um erro chamado viés de confirmação, além do efeito placebo”, diz Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência.
Na pesquisa, as hospitalizações ocorriam quando a saturação da oxigenação era inferior a 90% ou em caso de piora da condição geral, mas os critérios para essa piora não foram detalhados.
“Você pode trocar as drogas por canja de galinha e balinha jujuba, porque ninguém está medindo nada”, diz Pasternak sobre o estudo.
A pesquisadora também aponta que o fato de o grupo que recebeu a droga ter mais pacientes —412— do que o grupo controle —224 pessoas— pode pesar positivamente para os resultados encontrados.
Segundo a pesquisa, 1,9% das pessoas que receberam tratamento precisaram ser hospitalizadas, contra 5,4% do grupo controle.