Regras só podem ser mudadas
quando se sabe como e onde se quer chegar
A
Superintendência de Seguros Privados (Susep) continua disposta a
desregulamentar o setor de seguros. A ideia em si é muito boa, mas
merece alguns reparos. Em primeiro lugar, é indispensável a Susep
se valer de profissionais que conheçam o assunto para capitanear o
barco. Não se atravessa tempestade com arrais no timão. E
desregulamentar um setor consolidado, mais ou menos em dia com o
que acontece no mundo, com regras claras balizando a operação e os
limites das companhias, é tarefa para profissional, para quem
conhece o assunto profundamente e está na linha de frente há
bastante tempo.
Desregulamentar não significa simplesmente mudar regras. As regras
só podem ser mudadas quando se sabe como e onde se quer chegar.
Mudar por mudar pode trazer o caos e o desequilíbrio para uma
atividade que precisa transmitir confiança e solidez.
O
negócio do seguro é aceitar riscos e, em caso da ocorrência de
evento garantido pela apólice, pagar as indenizações devidas. Quer
dizer, é um negócio de resolução futura. Tanto faz o sinistro
acontecer ou não. Mas para o segurado, a certeza da capacidade de a
seguradora pagar as indenizações é fundamental. Ninguém vai pagar o
prêmio se não acreditar na capacidade da seguradora fazer frente às
suas obrigações.

Mudanças não podem trazer caos
e desequilíbrio para atividade que precisa transmitir
confiança e solidez. Foto: Marcos de Paula/Estadão
A
confiança no sistema é pedra basilar para o seu funcionamento. Para
isso é necessária a existência de regras claras, baixadas e
fiscalizadas pelo poder público. É assim que funciona no mundo
todo. Não há atividade de seguro sem controle rígido, exercido pelo
governo.
Nesse sentido, vale lembrar que a criação do Instituto de
Resseguros do Brasil (IRB), em 1939, teve como objetivo principal
criar mecanismos que dessem ao governo brasileiro o controle das
divisas até então mandadas para fora por conta do resseguro feito
em outros países. Com o IRB, o governo passou a evitar a saída de
divisas e, além disso, começou a criar o pano de fundo para o
estabelecimento de um setor com forte presença de companhias de
seguros e corretores nacionais.
O
resultado foi um sucesso. Em 70 anos, o Brasil desenvolveu um
esquema sólido, capitalizado e com forte presença de seguradoras
brasileiras, competindo em igualdade de condições com as
seguradoras estrangeiras. Quer dizer, até agora, ganharam todos,
especialmente os segurados que, ao longo dos anos, foram tendo
melhores condições de cobertura, garantidas por companhias capazes
de fazer frente aos seus compromissos.
Essas considerações são para mostrar que o setor de seguros não é
um negócio de amadores. O faturamento de mais de R$ 500 bilhões,
incluindo na conta os planos de saúde privados, e as reservas de
mais de R$ 1,200 trilhão não deixam dúvidas a respeito.
Mas
há outro aspecto que me parece ainda mais delicado e que não está
sendo levado em conta pelo governo. As normas de qualquer sistema
jurídico se dividem em dois grandes grupos, a saber, as leis e a
normatização infralegal. Além disso, elas têm uma hierarquia
impositiva, que começa na Constituição Federal, a lei maior que
baliza todas as outras, e termina nos humildes pareceres, assinados
por burocratas sem capacidade legislativa.
A
norma menor não modifica a norma maior. As normas só podem ser
modificadas por normas superiores ou equivalentes, jamais por
normas inferiores. Todavia, é isso que a Susep tem feito, com certa
regularidade. Ela tem se valido de seu poder regulador infralegal
para baixar normas modificativas de disposições de leis, ou seja,
hierarquicamente superiores à sua capacidade normativa, o que torna
a regulamentação nula, por falta de capacidade legal do agente
modificador.
Resolução e portaria não mudam lei, seja ela qual for, muito menos
o Código Civil ou o Decreto-lei 73/66, a atual lei complementar que
criou o Sistema Nacional de Seguros Privados. Antes que seja tarde,
seria interessante a Susep analisar criteriosamente os mecanismos
jurídicos que está usando. Em vez de aprimorar o setor, ela pode
estar criando o caos.
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SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E
SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS