Veja avanços e pontos de atenção
sobre as novas regras da fiança bancária e do seguro-garantia
A Receita Federal estipulou novas
regras para o uso de fiança bancária e seguro-garantia pelo
contribuinte em processos administrativos – ou seja, que ainda não
foram para a Justiça – com o órgão envolvendo créditos
tributários.
Na avaliação de especialistas da
área, de forma geral, a portaria 315/2023 avança ao deixar mais
claro quando e como o seguro-garantia pode ser utilizado, além de
trazer novas possibilidades de seu uso.
Contudo, alguns pontos podem
prejudicar o contribuinte, dizem os especialistas consultados
pelo InfoMoney.
A portaria, por exemplo, aponta
requisitos gerais para aceitação dos documentos e os requisitos
para uso na Modalidade Aduaneira e na Modalidade Substituição de
Bens e Direitos. De acordo com Cássio Gama Amaral, sócio da área de
seguros do Machado Meyer Advogados, na modalidade aduaneira, a
norma não traz nada de novo, apenas consolida o que já é
aplicado.
“Em certos regimes especiais
aduaneiros e outros tipos de estruturas de exportação e importação,
o contribuinte precisa ofertar uma garantia para a Receita Federal
de que vai cumprir certos requisitos para ter o regime especial. Ao
invés de depositar o dinheiro, ele dá uma garantia para fazer jus
daquele benefício, porque se não cumprir os requisitos da norma
aduaneira, ele tem que pagar o valor da multa, ou os valores dos
tributos. Se não pagar, a seguradora paga”.
A novidade da norma fica por conta
da modalidade de substituição de bens e direitos. Hoje pode ser
feito pelo órgão um “arrolamento de bens” do contribuinte quando
ainda não existem ações judiciais contra ele (Pessoa Física ou
Jurídica), mas o passivo tributário (todas as obrigações que foram
deixadas de cumprir com o Fisco) é maior do que o percentual do seu
ativo.
Se a Receita julgar que o
contribuinte pode ter dificuldade de pagar essas obrigações devidas
no futuro, é feito um arrolamento administrativo (espécie de
identificação) e o monitoramento dos bens que poderiam ser usados
para quitar o valor dessas obrigações. O contribuinte com bens
arrolados pode vendê-los, contudo, existe a possibilidade de o
Fisco tornar essa venda eficaz no futuro.
“Quando você fica muito tempo com
esses bens arrolados, ninguém quer comprar esse bem ou receber em
garantia”, explica Amaral. A nova norma, agora, permite que o
contribuinte utilize um seguro-garantia (ou a fiança bancária) em
substituição aos bens arrolados. “É como se fosse a penhora, mas
não tem ainda ação judicial, então não é penhora. Não era clara
essa possibilidade, essa viabilidade de substituição de bem [pelo
seguro-garantia]”, diz o advogado, ressaltando que os valores de
bens arrolados de grandes contribuintes, dependendo do caso,
costumam chegar aos bilhões de reais.
Vale lembrar que no ano passado,
por meio da Instrução Normativa nº 2.091/2022, a Receita Federal
atualizou os procedimentos com a finalidade garantir o recebimento
dos impostos devidos (entre eles, o arrolamento de bens), quando a
dívida tributária do contribuinte junto ao órgão exceder,
simultaneamente, 30% do seu patrimônio e R$ 2 milhões.
Transações tributárias
Outro ponto positivo destacado por
Amaral na portaria nº 315/2023 é em relação ao uso do
seguro-garantia em processos de transação tributária. “É menos
comum, mas é possível utilizar o seguro-garantia para viabilizar
essa transação tributária, que é algo feito antes de uma ação
judicial, quando o contribuinte cede alguns bens em garantia em
acordos com o Fisco”.
Um acordo de transação tributária é
um instrumento celebrado pelo contribuinte e pela administração
tributária que, mediante concessões mútuas, extingue o litígio
tributário. Na prática, o contribuinte desiste do julgamento do
processo e pode pagar a dívida com descontos e condições especiais
em acordo com a Receita.
Ao propor o acordo, o contribuinte
deve incluir uma relação de bens e direitos que poderão ser
arrolados para compor as garantias do termo de transação. A nova
norma deixa explícita a permissão de usar o seguro-garantia como
alternativa ao uso desses bens (por meio do arrolamento) no acordo
com a Receita.
Na avaliação de Paulo Tedesco,
sócio da área tributária do Mattos Filhos Advogados, a norma avança
ao explicitar a utilização do seguro-garantia, bem como a
fiança bancária, nas duas situações. “Era importante que houvesse
um mecanismo que se atentasse a esse momento [do arrolamento de
bens], trazendo reflexos até para a economia, tornando bens
arrolados mais atrativos”, ou seja, possibilitando que os bens de
um contribuinte “deixassem de ser arrolados”, podendo ser
comercializados e contribuindo para movimentar a economia.
Mas Tedesco alerta que, apesar de
ser positivo para a Receita, uma vez que contribui para reduzir a
inadimplência dos pagamentos de eventuais débitos com o órgão, para
o contribuinte pode representar um problema. “Só que a Receita
Federal exige que a garantia tenha uma cláusula dizendo que o
seguro deve ser liquidado pela seguradora 30 dias depois de acabar
a discussão dentro da Receita. Ao se fazer isso, criou-se um grande
obstáculo para que os débitos sejam questionados pela via judicial.
De acordo com a portaria, tem que ser liquidado antes de
encerramento de contencioso, em caso judicial”, ressalta.
Caso o contribuinte perca uma
discussão no CARF (Conselho de Administração de Recursos Fiscais –
órgão a ser procurado quando o contribuinte julgar improcedente a
cobrança de determinado imposto na esfera administrativa), o seguro
deveria ser pago, mesmo se, na sequência, ele decidir levar o caso
à Justiça. “A previsão de sinistro do seguro logo depois de
encerrada a discussão administrativa perante a Receita é prematura.
É uma cláusula que deveria ser revista, porque mitiga as
alternativas do contribuinte de questionar a cobrança
judicialmente, porque a seguradora paga o sinistro, mas pode cobrar
[quem contratou o seguro]. A previsão de sinistro mirou em momento
inoportuno e faltou a indicação de créditos que serão
judicializados”, critica Tedesco.
Do ponto de vista das seguradoras,
a norma é positiva porque abre mais possibilidades de uso do
seguro-garantia no formato de caução, que ainda não é tão
desenvolvido como nos Estados Unidos, pontua Henrique Machado,
superintendente Comercial Key Account na Pottencial, seguradora que
opera no ramo de Garantia.
Ele compara as possibilidades de
ampliação do uso do seguro-garantia judicial abertas por esta
norma da Receita com o que ocorreu com a Reforma Trabalhista (Lei
13.467/2017), que permitiu que apólices de seguro e de cartas de
fiança bancária passassem a ser aceitas em substituição ao depósito
recursal e para garantia de execução trabalhista.
“O que essa norma nova traz é, de
fato, uma amplitude, uma maior utilização do seguro-garantia. Todos
os agentes que estão envolvidos na aceitação de um seguro garantia
[tomador, seguradora e segurado] e na exigibilidade de uma caução,
têm um conforto de saber que é um documento sério, que traz o
lastro necessário para aquela operação”, pontua Machado.
Vale salientar que a portaria
estipula que o seguro-garantia e a fiança bancária devem ser
“prestados, respectivamente, por seguradora ou instituição
financeira idônea devidamente autorizadas a funcionar no país, nos
termos da legislação reguladora aplicável”.