O
governo paulista e médicos se mobilizam para votar em setembro um
projeto de lei que formaliza no Hospital das Clínicas (HC) de São
Paulo o atendimento a
planos de saúde - sistema conhecido como "porta dupla". De
autoria do Executivo, o texto dá autonomia para a instituição criar
ou extinguir cargos e contratar funcionários pelo regime da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Ministério Público
Estadual deve entrar com ação se a medida for aprovada.
O projeto, de autoria do ex-governador
Cláudio Lembo, passou por diversas modificações, mas manteve um dos
trechos mais polêmicos: o que permite a venda de
serviços de pesquisa e assistência por meio das fundações de
apoio do hospital. Argumenta-se que os recursos obtidos são
necessários para melhorar o serviço prestado ao Sistema Único de
Saúde (SUS).
José Otávio Auler Júnior, do Conselho
Deliberativo do HC, diz que nas duas portas a instituição oferece o
mesmo "tratamento de excelência". Porém, conforme mostrou
reportagem do jornal O Estado de S. Paulo em janeiro, o tempo de
espera pelo atendimento é bem diferente. No Incor, por exemplo,
enquanto pacientes do SUS aguarda até 14 meses por alguns
procedimentos, não há filas para
clientes de convênios. Hoje, cerca de 3% dos atendimentos são
particulares. A receita gerada - cerca de R$ 100 milhões -
corresponde a 9% do orçamento.
Auler Júnior revela que o projeto está
sendo mais uma vez modificado e a nova redação vai garantir que "a
vocação do HC é para o atendimento dos pacientes do SUS". O gestor
ressalta a necessidade de mais autonomia. "O atual plano de cargos
e salários é de 1977 e está desatualizado com a realidade atual da
medicina. Não prevê, por exemplo, perfis profissionais que surgiram
com o desenvolvimento tecnológico, fundamentais no ambiente
hospitalar
moderno", afirma.
Embora considere positiva a redução da
burocracia, a especialista em saúde pública Ligia Bahia aponta um
lado negativo dessa autonomia. "O hospital vai poder escolher quais
casos vai atender. Não fica mais obrigado a seguir o que a rede
pública determina. Poderá assumir um perfil que não é o mais
adequado."
Ligia diz que, no longo prazo, os
recursos trazidos pelos convênios não vão se reverter na expansão
da capacidade instalada. "E a privatização do hospital o afastará
das fontes públicas, especialmente do governo federal, que são
essenciais para investimentos de maior vulto."