Há
forte lobby de varejistas e seguradoras para redução das amarras
que vinham sendo impostas à venda de seguros, desde 2013, segundo
fonte da superintendência
Atendendo a pleito de seguradoras e varejistas, a
Superintendência de Seguros Privados (Susep) deve enviar, nos
próximos dias, duas minutas de resolução ao Conselho Nacional de
Seguros Privados (CNSP), vinculado ao Ministério da Fazenda. Os
documentos suspendem ou prorrogam, por prazo a ser determinado, a
validade de dois artigos — 18 e 21 – da Resolução nº 297/2013, que
regulamenta a venda de seguros pelas redes de varejo, com foco
principal em garantia estendida/extensão de garantia.
O
segmento, que movimentou R$ 2,6 bilhões em 2013 (dados da Susep até
novembro), também registra grande número de queixas nos Procons. No
início deste mês, o CNSP já publicou nova resolução flexibilizando
a contratação e a cobrança do seguro conjuntamente à compra de bens
em geral, a pedido de seguradoras e varejistas.
De
acordo com fonte interna da Susep, que pediu para não ser
identificada, há forte lobby dos dois setores para redução das
amarras que vinham sendo impostas à venda de seguros, desde 2013. A
regulação mais rígida do setor teria sido, inclusive, motivadora da
exoneração de Luciano Portel Santanna, ex-superintendente da
autarquia, em decreto assinado pela presidenta Dilma Rousseff, no
último dia 28 de fevereiro. Na mesma data, o consultor Roberto
Westenberger foi nomeado para o cargo.
Antes
mesmo de sair da Susep, as minutas causaram polêmica entre o corpo
técnico da autarquia. O motivo é a discordância em dar mais prazo
para as seguradoras se adequarem à Resolução 297, uma vez que já
tiveram 180 dias para isso, desde a publicação do documento em 25
de outubro de 2013.
“Há
parte da diretoria contrária a proposta de alteração. O prazo para
adequação foi suficiente e acordado em grupo de trabalho formado
por representantes do CNSP além dos setores de seguro e varejo”,
conta a fonte interna.
O
mesmo funcionário da autarquia disse que o novo superintendente da
Susep “buscou aprovação dos textos em reuniões com o grupo técnico,
para não ficar isolado no pleito por mais prazo, já que foi
indicado pelas seguradoras”.
Westenberger é ex-sócio da
PriceWaterHouseCoopers, empresa que deixou antes de assumir a nova
posição, e teve companhias seguradoras como clientes. A atividade
desenvolvida, de domínio público, o credenciou para a cadeira de
superintendente. Ele é tido pelas seguradoras como uma das maiores
autoridades no assunto.
Na
primeira reunião com a diretoria técnica, que ocorreu no dia 15
deste mês, não se concluiu sobre a aprovação e o envio das
propostas de minutas, pois houve discordância por parte da
diretoria. Então, novo encontro foi agendado para a quinta-feira
passada, quando os textos foram finalizados. “Eu nunca vi tanto
atabalhoamento e pressa para envio de minuta. Isso está acontecendo
para ter aprovação dos membros do CNSP e publicação antes do dia
25, justamente quando termina o prazo para adequação das
seguradoras”.
Antes
das reuniões, o diretor de Autorizações da Susep, Nelson Victor Le
Cocq D’Oliveira, enviou email interno, ao qual o Brasil Econômico
teve acesso, copiando seus pares e o superintendente, expondo sua
contrariedade ao conteúdo das minutas: “Recebi, em anexo, as
minutas para eventual submissão ao CNSP por parte do sr.
superintendente, mas não tenho conhecimento de quem partiu a
iniciativa de seu encaminhamento. Elas não foram elaboradas por mim
ou pela CGPRO (Coordenação Geral de Produtos). Na verdade, são
estranhas ao teor do meu voto…”, disse.
No
mesmo email, D’Oliveira acrescentou: “Quanto à prorrogação de prazo
de vigência solicitado pela CNseg em relação ao Art. 21 da referida
Resolução, o voto por mim encaminhado, acompanhando posicionamento
da CGPRO, coloca como preliminar indispensável uma prévia
comunicação junto à referida entidade, solicitando um claro
comprometimento formal quanto ao cumprimento do novo prazo, a ser
materializado em um cronograma de ações que viabilizem o
atendimento da nova data a ser autorizada pelo CNSP”.
O
Brasil Econômico não teve acesso ao texto final das minutas, mas os
setores segurador e varejista pleiteavam mais 180 dias. “Existe uma
preocupação do setor com relação ao prazo, que é muito curto. O
ideal é que a gente tivesse um prazo de seis meses para a
adequação”, disse o presidente da Confederação Nacional das
Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde
Suplementar e Capitalização (CNseg), Marco Antônio Rossi, que
também preside a Bradesco Seguros.
“Se
conceder mais prazo, o consumidor não vai poder cobrar aplicação da
resolução”, argumentou a advogada do Idec-SP, Mariana Alves
Tornero.
No
último dia 2, o CNSP publicou a Resolução nº 306/2014, alterando
regra anterior (nº296/2013) e flexibilizando a contratação e a
cobrança de seguros no varejo conjuntamente à compra de produtos,
desde que tenha anuência do consumidor por escrito. O texto
anterior, mais rígido, exigia operações em documentos distintos,
justamente para diferenciar e chamar a atenção do
consumidor.
O
texto da nova resolução, que vigora desde a sua publicação, foi
assinado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em caráter “ad
referendum”, e deverá ser submetido à aprovação do CNSP. O conselho
é presidido pelo próprio Mantega e conta ainda com Secretaria
Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, Susep,
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Banco Central e
Superintendência Nacional de Previdência Complementar
(Previc).
Sobre
a nova resolução, o Ministério da Fazenda, através da assessoria de
imprensa, respondeu que “se entendeu que a determinação do
pagamento em separado do seguro de garantia estendida ou seguro
vendido por meio de representante da seguradora (tal como
organizações varejistas) não só gerava um inconveniente para muitos
consumidores, que eram obrigados a realizar dois pagamentos e
reclamavam disso, como a obrigação também se mostrou onerosa aos
varejistas, por incorrerem em maiores custos. No entanto, para
assegurar que o consumidor esteja totalmente ciente de que está
adquirindo um seguro, previu-se o termo de autorização para o
pagamento conjunto”.
Ainda
em sua resposta, o Ministério explicou que “houve pleito das
seguradoras e varejistas em vista dos inconvenientes e custos da
medida e buscou-se construir solução que tanto trouxesse
conveniência ao consumidor, mas o mantendo ciente de que está
comprando um seguro, quanto pudesse evitar custos às seguradoras e
varejistas, lembrando que muitas vezes os seguros vendidos no
varejo são de baixo valor”.
“Mais
do que isso (um pleito) é uma questão de bom senso. Quando você
coloca que essa contratação precisa ser feita numa cobrança
separada, você está burocratizando e fazendo com que o processo
fique mais caro. Consequentemente, quem acaba pagando o preço disso
tudo, ainda que perder a eficiência das empresas brasileiras, por
outro lado, você acaba aumentando o custo para o consumidor”,
argumentou Rossi.
Na
Senacon, o entendimento é que “teve uma flexibilização para atender
um pedido do mercado”, disse o diretor do Departamento de Proteção
e Defesa do Consumidor (DPDC), Amaury Oliva. “Eu não queria falar
especificamente sobre essa resolução ‘ad referendum’ do ministro,
porque precisamos discuti-la no Conselho (CNSP)”.
O
diretor da Senacon diverge da CNseg. “Discutimos amplamente as
regras no CNSP, com representantes do Ministério da Fazenda, Susep,
Ministério da Justiça, Fenacor (corretores), CNseg. Trabalhamos
para dar mais segurança jurídica. Não posso dizer que ficou
perfeito, mas chegamos a um denominador comum”,
finalizou.
Procurado para comentar as mudanças, Westenberger
não atendeu à solicitação de entrevista.
Desequilíbrio na relação prejudica
consumidor
Na
teoria, a venda de garantida estendida pelas redes varejistas
deveria ser boa para todos. As seguradoras faturam mais, o varejo
recebe comissões pela comercialização, o governo arrecada impostos
— a carga média do setor de seguro está em torno de 40% — e os
consumidores têm seus bens assegurados por mais tempo. Na prática,
porém, há desequilíbrio nessa relação e a corda tem arrebentado do
lado do mais fraco.
Milhares de queixas chegaram aos Procons de todo
o país, o que exigiu ação severa do governo. Então, a Susep e o
CNSP aprovaram, em consenso com comerciantes e seguradoras, regras
para dar transparência e equilíbrio a esse tipo de negócio,
protegendo o consumidor.
Agora, menos de seis meses depois, os dois
setores privados mudaram o entendimento sobre o que foi acordado e
pediram mudanças: mais flexibilidade na contratação e cobrança,
além de mais prazo para adequação às regras, fora os 180 dias já
concedidos no ano passado.
“Trabalhamos com a Susep porque tem problemas com
o varejo. O consumidor vai comprar uma televisão e sai da loja com
três, quatro seguros”, contou o diretor do Departamento de Proteção
e Defesa do Consumidor (da Secretaria Nacional do Consumidor),
Amaury Oliva. “Não diria que é má-fé. Temos notado uma
distorção”.
Oliva
entende que as regras aprovadas, no ano passado, chamam atenção do
consumidor para o negócio que está fazendo dentro da loja. “Entendo
que o pagamento separado é mais complexo, mas acende uma luz de
alerta para o consumidor. Até mesmo para reflexão do que está
contratando”.
Sobre
a resolução publicada este mês, a advogada do Idec-SP Mariana Alves
Tornero avalia que dá garantia maior ao consumidor porque exige a
aprovação do mesmo para cobrança conjunta de produto e seguro. Mas
a especialista critica a redação do texto: “É possível gerar
problema. O ‘poderão’ empregado no texto deixa uma brecha. Deveria
ter sido usado um verbo mais enfático para inibir aquele tipo de
problema que já é corriqueiro. Mas o consumidor já tem amparo no
Código de Defesa do Consumidor e não deve se preocupar”.
O
diretor da DPDC também relativiza a flexibilização das regras e diz
que o Código é uma lei federal e se sobrepõe às resoluções do
CNSP.
Advogado especializado na defesa do consumidor,
Eurivaldo Neves Bezerra também se ampara na lei federal para
tranquilizar o consumidor. “Os artigos da resolução já estão
‘previstos’ no Código e os direitos do consumidor estão
assegurados. Porém, 180 dias são mais que suficientes para as
empresas se adequarem. Dar mais prazo é uma benevolência com as
seguradoras, mas não prejudica o consumidor”, avalia.
Baseado no Código, o Ministério da Justiça
instaurou processo administrativo contra as redes Magazine Luiza,
Ricardo Eletro, Casas Bahia e Ponto Frio, por venda casada de
produtos e seguros. As empresas varejistas têm prazo de dez dias
para apresentar defesa. Se forem condenadas, poderão ser multadas
em até R$ 7 milhões.
De
acordo com o MJ, entre 2005 e 2012, a Casas Bahia receberam 13.057
reclamações de consumidores sobre garantia estendida, o Ponto Frio
ficou em segundo, com 14.031; seguido por Magazine Luiza, 9.068; e
Ricardo Eletro, 33.367.